No artigo anterior vimos um dos resultados do Iluminismo foi que a Bíblia deixou de ser considerada Palavra de Deus para se tornar o testemunho de fé da nação de Israel e da Igreja Primitiva, ou seja, a Bíblia passou ser considera apenas como um livro humano. Porém, de modo introdutório também foi citado que outro resultado do Iluminismo foi o surgimento de um movimento dentro do cristianismo que se chamou liberalismo, o qual será abordado doravante.
Os Teólogos Liberais
O liberalismo teológico[1], como filho do iluminismo, surge com o advento da modernidade no século XIX, onde a razão e a ciência foram colocadas em pé de igualdade ou mesmo acima das Escrituras e da tradição[2]. O trabalho dos teólogos liberais se deu através da tentativa de descobrir a verdadeira essência do cristianismo, bem como reconstruir a teologia em torno dessa essência. O termo “liberal” expressa a ênfase no direito do indivíduo de definir os termos da sua fé sem ser constrangido por nenhuma autoridade externa[3].
Friedrich Schleiemacher, o pai da teologia liberal, defendia que a experiência religiosa é a autoridade suprema em matéria de fé. Assim, a Bíblia é apenas o registro das experiências religiosas do antigo povo de Deus. Ela não é divinamente inspirada nem infalível. Ou seja, ela não possui uma autoria nem mesmo origem divina, mas apenas humana[4].
Para a teologia liberal, os autores humanos foram gênios religiosos, cooperadores com o Espírito divino de forma tão completa que seus escritos tinham uma qualidade inspiradora, porém, sem nada de sobrenatural. Assim, para os teólogos liberais, a Bíblia é inspirada à medida que é inspiradora (OLSON, 2003, p.133)[5]. Deste modo, o liberalismo diminui as Escrituras para o patamar humano e não mais divino, esforçando-se para descobrir alguma maneira pela qual ela pode ter autoridade inigualável como livro integralmente humano, escolhido e usado, mas não redigido por Deus[6].
Roger Olson (2003) explica que o enfoque liberal da Bíblia é herético por negar completamente a autoridade das Escrituras, pois, segundo ele, o problema não está no fato de os teólogos liberais tentarem fazer justiça à qualidade humana da Escritura, mas sim, no fato de que seu modelo de inspiração da Escritura não conseguir fazer justiça à qualidade divina da Bíblia. Assim, nas mãos dos liberais a Bíblia se torna apenas um “romance histórico”, ou “uma poderosa ficção que molda comportamentos e moralidades ao criar um mundo habitável”[7].
No próximo artigo veremos como a crescente influência da teologia liberal fez surgir no início do século XX o movimento que já recebeu vários nomes, dentre eles, “teologia dialética”, “teologia da crise”, “nova teologia da Reforma”, “bartianismo” ou a expressão mais conhecida: “neo-ortodoxia”. Até lá!
[1] O liberalismo se espalhou rapidamente pelas
igrejas cristãs na Europa e Estados Unidos. Este movimento defendia os
seguintes pontos: (1) O caráter de Deus é de puro amor, sem padrões morais.
Todos os homens são seus filhos e o pecado não separa ninguém do amor de Deus.
A paternidade de Deus e a filiação divina são universais; (2) Existe uma
centelha divina em cada pessoa. Portanto, o homem, no íntimo, é bom, e só
precisa de encorajamento para fazer o que é certo; (3) Jesus Cristo é Salvador
somente no sentido em que ele é o exemplo perfeito do homem. Ele é Deus somente
no sentido de que tinha consciência perfeita e plena de Deus. Era um homem
normal, não nasceu de uma virgem, não realizou milagres, não ressuscitou dos
mortos; (4) O cristianismo só é diferente das demais religiões
quantitativamente e não qualitativamente. Ou seja, todas as religiões são boas
e levam à Deus; o cristianismo é apenas a melhor delas; (5) A Bíblia não é o
registro infalível e inspirado da revelação divina, mas o testamento escrito da
religião que os judeus e os cristãos praticavam. Ela não fala de Deus, mas do
que estes criam sobre ele; e (6) A doutrina ou declarações proposicionais, como
as que encontramos nos credos e confissões da Igreja, não são essenciais ou
básicas para o cristianismo, visto que o que molda e forma a religião é a
experiência, e não a revelação. A única coisa permanente no cristianismo, e que
serve de geração a geração, é o ensino moral de Cristo (LOPES, Augustus
Nicodemus. Fundamentalismo e Fundamentalistas: Esclarecimentos sobre fundamentalismo. Op cit.).
[5] OLSON, Roger. História das Controvérsias na Teologia Cristã: 2000 anos de unidade e
diversidade. Editora Vida. São Paulo: SP. 2004. p.133.



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